Em 02 de fevereiro de 2007, por acidente automobilístico, a arte brasileira perdia uma das suas cabeças mais pensantes e inquietas: Francisco de Assis França, o Chico Science.
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| Estátua de Chico Science (Rua da Moeda - Recife) - Imagem da Internet |
Confira abaixo o manifesto "Caranguejos com Cérebro", escrito por Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A), que consta como encarte do disco da "Lama ao Caos" de Chico Science e Nação Zumbi (1994) e anunciava a cena que impactaria de forma indiscutível a música brasileira nas última duas décadas.
"Mangue, o conceito.
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em
suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou
subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria
orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os
ecossistemas mais produtivos do mundo.
Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e
animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue.
Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção
anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente
importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia
alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das
donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade,
diversidade e riqueza.
Manguetown, a cidade
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis
rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia*
passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição
de seus manguezais.
Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*,
que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar
sua fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais
de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos
últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da
*metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos
urbano.
Mangue, a cena
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser
médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é
obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a
alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus
estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os
cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da
cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que
ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade
um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um
*circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a
rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena
parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop,
colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente
tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual,
sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os
Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e
expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e
começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de
energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram
programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco
a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas
veias da Manguetown".
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